Em janeiro de 1953, John Wheeler deixou acidentalmente um documento confidencial sobre a bomba de hidrogénio num comboio enquanto viajava da sua casa em Princeton para Washington DC. Setenta anos depois, o seu paradeiro continua desconhecido.
O físico John Wheeler é mais conhecido por popularizar o termo “buraco negro”, embora a sua investigação tenha abrangido uma ampla gama de campos, incluindo relatividade, teoria quântica e fissão nuclear. Wheeler também trabalhou no Projeto Matterhorn B no início dos anos 1950, o polémico esforço dos Estados Unidos para desenvolver uma bomba de hidrogénio.
De acordo com o Ars Technica, Alex Wellerstein, historiador da ciência no Stevens Institute of Technology, tropeçou na história de Wheeler enquanto examinava as transcrições desclassificadas do Congresso da década de 1950, principalmente do Joint Committee on Atomic Energy.
Segundo o artigo de Wellerstein, publicado no final de 2019 na revista científica Physics Today, o documento que Wheeler deixou no comboio não era um documento qualquer. “O documento da bomba de hidrogénio não era um relatório técnico comum”, escreveu Wellerstein. “Foi uma arma burocrática dirigida diretamente aos inimigos políticos dos seus criadores.”
Em 1949, os soviéticos detonaram a sua primeira bomba atómica e os Estados Unidos perderam uma importante vantagem estratégica militar. Alguns físicos, liderados por Edward Teller e Ernest Lawrence, sentiram que a solução era construir um novo tipo de arma nuclear: uma bomba de hidrogénio que dependia da fusão nuclear – em vez da fissão – para a sua explosão devastadora. Outros físicos, como J. Robert Oppenheimer, ex-chefe do Projeto Manhattan, opuseram-se ao programa, considerando-o desnecessário.
O presidente Harry Truman acabou por ficar do lado de Teller e Lawrence e o projeto Matterhorn B nasceu. Em março de 1951, Teller e Stanislaw Ulam criaram um projeto de bomba de hidrogénio que até os opositores do programa reconheceram que funcionaria.
O protótipo do dispositivo “Mike” foi detonado com sucesso em novembro de 1952. Porém, não estava pronto para uso prático como arma militar devido às 80 toneladas de equipamento criogénico necessário para manter o seu combustível deutério em estado líquido.
Enquanto isso, um tipo diferente de guerra estava a ser travado na frente política pelos proponentes da bomba de hidrogénio no Comité Conjunto de Energia Atómica, muitos dos quais ainda estavam ressentidos com as duras críticas de Oppenheimer.
Coube a Borden, chefe de gabinete, compilar uma história oficial do desenvolvimento da bomba de hidrogénio, com base em fontes documentais. Borden enviou um extrato de seis páginas do documento a Wheeler para o físico verificar os detalhes técnicos.
Wheeler leu o documento num comboio enquanto voltava para Washington DC durante a noite. Wheeler colocou o extrato no seu envelope branco, colocou-o dentro do envelope pardo, que na sua mala e prendeu-a entre si próprio e a parede.
O porteiro, Robert Jones, acordou Wheeler às 6h45 e Wheeler levou a sua mala para a casa de banho masculina na outra extremidade do comboio.
“Wheeler deixou a mala no balcão, levou o envelope pardo e fechou a porta. Sem encontrar onde colocar o envelope, prendeu-o entre alguns canos e a parede abaixo da janela à sua direita. Usou a casa de banho. Saiu da cabine – e percebeu que havia deixado o envelope preso na parede”, escreveu Wellerstein. “Nesse momento, dois outros homens estavam a usar os lavatórios e outro homem estava na casa de banho. Wheeler subiu no lavatório e tentou espiar pela grade de metal da porta da casa de banho. Não conseguia ver o envelope, mas podia conseguia o outro homem que não estava a ler nada”.
Quando o homem saiu, Wheeler agarrou o envelope. Porém, quando voltou ao seu beliche, viu que o envelope branco com os documentos confidenciais tinha desaparecido. Com a ajuda do porteiro, Wheeler vasculhou o comboio sem sucesso.
Onde estão os documentos secretos?
Os documentos nunca foram recuperados e o seu paradeiro permanece um mistério até hoje, embora existam muitas teorias especulativas.
Wellerstein defende a teoria de que o porteiro encontrou os documentos e deitou-os em vez de relatar a descoberta, porque pensou que seria melhor fingir que nunca viu.
Dada a falta de evidências, o historiador considera que o cenário de espionagem é altamente improvável.
De acordo com Wellerstein, isto aconteceu no pior momento possível, considerando quea arma era vista como algo distintamente diferente das primeiras bombas atómicas. Era uma tecnologia controlada por segredos – e não por materiais.
A situação teve implicações estratégicas para os formuladores de políticas e líderes militares americanos, que temiam que as informações caíssem nas mãos dos soviéticos.
A perda dos documentos descarrilou várias carreiras políticas, incluindo a de Borden. Depois de ser demitido do cargo, Borden regressou à prática de direito privado e tornou-se um teórico da conspiração. Borden tinha uma vingança particular contra Oppenheimer e a sua campanha contra o físico foi um dos vários fatores que levaram à infame audiência de segurança de Oppenheimer, que privou o físico do seu certificado de segurança.
Já Wheeler escapou com apenas uma carta de repreensão da Comissão de Energia Atómica. “Era muito valioso como cientista”, disse Wellerstein. “Disseram que não podiam puni-lo sem prejudicar o programa nuclear.”
https://zap.aeiou.pt/ha-70-anos-um-fisico-perdeu-documentos-secretos-sobre-a-bomba-370058
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