sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

A cordilheira Kong nunca existiu, mas esteve nos mapas durante um século !

A cordilheira Kong nunca existiu, mas esteve durante 100 anos em muito dos principais mapas do continente africano. Acabaria por ser um militar francês, que explorou o rio Níger, a acabar com este “fantasma da história da cartografia”.

De acordo com testemunhos antigos, citados pela emissora britânica BBC, os cume das Montanhas Kong tocavam nos céus e, durante grande parte do ano, permaneciam cobertos de neve, apesar de estarem localizadas nos trópicos.

Durante cerca de 100 anos, entre o fim do século XVIII e boa parte do século XIX, a cordilheira ocupou um lugar de destaque em muito dos mapas de África, que a representavam como uma barreira intransponível no oeste do continente, capaz de desviar o curso dos rios. Apesar dos relatos e dos mapas, a cordilheira Kong nunca existiu.

Estas montanhas são um dos “grandes fantasmas da história da cartografia”, escreve o jornalista Simon Garfield no seu livro On the map.

Foi o explorador escocês Mungo Park o primeiro a descrever as inexistentes Montanhas Kong. Park viajou até ao interior dos territórios que hoje conhecemos como o Senegal e Mali entre 1795 e 1797, procurando as nascentes do rio Níger, um dos grandes mistérios da geografia africana para os europeus da época.

A sua expedição acabaria por ser publicada em Londres, em 1799, com um apêndice ilustrados pelo cartógrafo inglês James Rennell, em cujos mapas as Montanhas Kong tomaram forma pela primeira vez como um grande maciço montanhoso, estendendo-se por grande parte de África Ocidental.

O seu nome, escreve a BBC, aludia à cidade Kong, capital do império homónimo que prosperou durante os séculos XVIII e XIX na atual Costa do Marfim.

Uma miragem ou uma invenção?

Não se sabe ao certo se Mungo Park imaginou ter visto ou inventou esta cordilheira, mas os especialistas atribuem a “culpa” da sua existência a Rennel.

“Provavelmente viu uma miragem ou talvez algumas nuvens que se pareciam com montanhas”, afirmou à BBC Thomas Bassett, professor emérito de Geografia na Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, nos Estados Unidos, e co-autor do artigo As Montanhas Kong na cartografia da África Ocidental. “Depois, perguntou a viajantes e mercadores se existia naquela direção e disseram-lhe que sim”, continuou.

“No entanto, diria que a sua origem se deve realmente a James Rennell. Como defendo no meu artigo escrito com o meu colega Philip Porter, o aparecimento das Montanhas Kong deve ser compreendido no contexto amplo do debate teórico sobre o curso do rio Níger”.

“Havia muitas teorias que entravam em conflito [sobre o curso do rio], e a representação de Rennell das montanhas Kong está relacionada com a sua própria hipótese“.

Rennell, que à época era um dos geógrafos mais prestigiados, sustentava que o rio Níger fluía em direção a leste e penetrava no continente africano, afastando-se do Atlântico. Depois, evaporava numa espécie de delta interior.

A existência das Montanhas Kong e a forma como as retratou do ponto de vista da cartografia validavam a sua teoria: aquela alegada barreira intransponível impedia que o rio corresse para o sul até o Golfo do Benin, como realmente acontece.

A partir do momento em que as ilustrações de Rennell foram publicadas, a grande maioria dos mapas comerciais da África reproduziu a sua visão sobre o continente, destacando, durante um século, uma cordilheira que nunca existiu.

Eldorado de África Ocidental

Em alguns mapas, estas montanhas atravessaram todo o continente africano, de leste a oeste, como uma espécie de mundo que separava o deserto do Saara do sul do continente.

Existiam várias descrições detalhadas, entre as quais algumas que lhes atribuíam um tom azulado e uma “altura formidável”. Há também registo de relatos que dão conta que as terras desta cordilheira eram áridas, mas ricas em ouro.

Popularizou-se ainda a ideia de que eram uma espécie de “Eldorado da África Ocidental”, a misteriosa fonte de riqueza do Império Ashanti, localizado na atual Gana.

A lenda continuou a prosperar até que, em meados de 1889, o militar francês Louis-Gustave Binger relatou a sua viagem ao longo do rio Níger perante a Sociedade Geográfica de Paris e concluiu que as montanhas Kong não existiam.

Assim, e da mesma forma que apareceu, desapareceu completamente dos mapas.

https://zap.aeiou.pt/cordilheira-kong-nunca-existiu-esteve-nos-mapas-um-seculo-376083

 

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