Descendente de escravos, Loretta Pleasant nasceu em 1 de agosto de
1920 em uma fazenda de tabaco em Roanoke, interior do estado da
Virgínia, nos Estados Unidos. Não se sabe o motivo de ela ter mudado o
nome para Henrietta Lacks, tampouco quando isso aconteceu. Em meados de
1924, ela perdeu a mãe durante o parto de seu décimo irmão e se mudou
com o pai para Clover, na Carolina do Sul, onde foi criada pelo avô com o
primo David Lacks.
A convivência fez com que eles se casassem em 10 de abril de 1941.
Incentivados por um primo mais novo, eles se mudaram para o norte do
país, para a cidade de Maryland, para que David pudesse trabalhar na
siderúrgica Sparrows Point, que estava crescendo bastante devido às
demandas por metais que a Segunda Guerra Mundial
exigia. Não demorou muito para que a família fosse morar na comunidade
Turner Station, em Baltimore, onde havia a maior concentração de
metalúrgicos afro-americanos da região.
Em 19 de setembro de 1950, Henrietta deu à luz ao quinto filho no
Johns Hopkins Hospital, o único que atendia a pessoas negras na época.
Durante o parto, ela sentiu uma pressão interna horrível mesmo depois de
a criança ter nascido, porém os médicos investigaram e não encontraram
nada; nem mesmo exames feitos 6 semanas depois detectaram algo.
A salvadora desconhecida
Ela foi submetida à braquiterapia, que consiste em uma radioterapia
interna através de fontes de radiação colocadas diretamente no local
afetado pelo tumor, muito diferente do procedimento de External Beam
Radiotherapy (EBRT) e da quimioterapia. Depois disso, o oncologista
George Otto Gey retirou duas amostras do colo do útero de Henrietta para
análise sem o consentimento dela, em uma prática de exploração comum
para época, principalmente entre pobres e negros.
Em 8 de agosto de 1951, Henrietta foi internada durante uma das
sessões de braquiterapia devido a dores abdominais intensas sem nem
imaginar que jamais sairia do hospital. Em setembro, o quadro piorou
tanto que ela acabou morrendo em 4 de outubro de 1951. No entanto, as
células cancerígenas continuaram a se multiplicar fora do corpo da
mulher em uma taxa extraordinária.
A usurpação de Henrietta
A linhagem celular HeLa serviu para o desenvolvimento de medicamentos e vacinas contra a poliomielite e para tratar doença de Parkinson e leucemia; atualmente, é usada para analisar o comportamento da covid-19. Sete décadas depois, as células HeLa vivem mais do que o dobro do tempo fora do corpo de Henrietta do que dentro.
No livro A Vida Imortal de Henrietta Lacks, publicado em
2010, a escritora Rebecca Skloot descreve os danos que a violação da
privacidade genética causou à família. Abandonada pelo pai, Deborah foi
estuprada por um parente até a vida adulta; Joe acabou na prisão por não
conseguir controlar a raiva de não saber onde a mãe foi parar; aos 15
anos, outra filha de Henrietta morreu de epilepsia após ser
institucionalizada em uma área psiquiátrica na qual nunca pôde receber
visitas.
Abusos e novo curso
Os Lacks só souberam o destino de Henrietta em 1973, quando
cientistas do Johns Hopkins Hospital os procuraram para colher amostras
de sangue e estudar os descendentes das células HeLa. Mais uma vez sem o
consentimento dos envolvidos, em 1985 a imprensa divulgou registros
médicos da família para o mundo.
Contudo, a quebra de privacidade genética não parou por aí. Em 2013, o
Laboratório Europeu de Biologia Molecular de Heidelberg, na Alemanha,
publicou o genoma HeLa sem a liberação dos parentes, expondo informações
genéticas privadas sobre a linhagem de seus descendentes.
Com mais esse escândalo no histórico, no mesmo ano, o Instituto
Nacional de Saúde dos EUA concedeu a dois membros da família Lacks o
controle de como os dados do genoma das células seriam usados dali em
diante, criando o grupo HeLa Genome Data Access, que revisa pesquisas
que pedem acesso a informações da sequência HeLa.
Além de todos os avanços científicos, o caso de Henrietta Lacks foi
crucial para desenvolver o debate e implementar leis acerca do
consentimento informado de pacientes para a extração e o uso de células
em pesquisas científicas.
https://www.megacurioso.com.br/ciencia/115897-henrietta-lacks-salvou-a-medicina-com-suas-celulas-imortais.htm
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