O Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, afirmou, na quinta-feira, que é “fácil impor uma ditadura no Brasil”, numa crítica às medidas de confinamento decretadas por governadores e prefeitos para travar a disseminação da covid-19.
“Vou repetir: como é fácil impor uma ditadura no Brasil. Estamos a ver guardas municipais, de cassetete, mantendo todo mundo dentro de casa. Imaginem umas Forças Armadas, com fuzil. Em nome da ciência, da sua vida, você vai ficar em casa mofando”, disse Bolsonaro, na sua habitual transmissão de vídeo na rede social Facebook.
“Uma pequena parcela da sociedade até pode ficar em casa mais tempo, mas a grande maioria não pode. Todos vão sofrer. Eu sou o garante da democracia. Usam o vírus para te oprimir, para quebrar a economia”, criticou o chefe de Estado.
Para justificar a sua rejeição às medidas de confinamento obrigatório, Bolsonaro recorreu à leitura de uma carta de despedida, escrita por um feirante que alegadamente se suicidou.
“Estou cansado de tanta humilhação aqui na feira. Estou fazendo isso porque não está dando para pagar as dívidas, por causa do governador e do prefeito. Decretou fecho de tudo e não está dando para vender”, leu Bolsonaro, reproduzindo o teor da carta, mas sem revelar a identidade da vítima.
O Brasil, que nos últimos dois dias registou mais de duas mil mortes diárias devido à covid-19 e que enfrenta agora o momento mais crítico da pandemia, tem vários hospitais em colapso e novas estirpes do vírus em circulação, o que levou governadores e prefeitos a decretar medidas restritivas de isolamento social.
Um ano após a pandemia ser oficialmente declarada no país, o Brasil acumula 10,3% das mortes notificadas no mundo por covid-19, sendo que tem apenas 3% da população global, segundo dados da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Contudo, Bolsonaro, um dos chefes de Estado mais negacionistas em relação à gravidade da covid-19, defende que a população brasileira saia à rua em prol da economia, e “antevê problemas sérios” caso isso não aconteça.
“A pessoa com fome perde a razão, topa tudo. Estamos segurando o Brasil. Estou antevendo um problema sério no Brasil, não quero falar que problemas são esses porque não quero que digam que estou estimulando a violência, mas teremos problemas sérios pela frente”, pontuou.
Segundo o Presidente, “cerca de 20 governadores [dos 27 estados do Brasil] decidiram tomar medidas conjuntas para tentar barrar o vírus”, mas “há um ano que o país está em ‘lockdown’ [confinamento] e o coronavírus continua aí”.
Para o chefe de Estado, o efeito colateral do confinamento é mais danoso do que o próprio vírus e criticou governadores, como de São Paulo e do Distrito Federal, por imporem recolher obrigatório durante a noite e madrugada.
“Até quando a nossa economia vai resistir? Se colapsar, vai ser uma desgraça. O que poderemos ter brevemente? Invasão ao supermercado, fogo em ônibus [autocarros], greves, piquetes, paralisações. Onde vamos chegar?”, questionou.
Bolsonaro, que se encontra sem partido desde o ano passado, aproveitou ainda para admitir que voltou às conversações com o Partido Social Liberal (PSL), formação política pela qual foi eleito Presidente em 2018.
“Espero decidir até março o meu futuro político. Alguns partidos acenaram para mim, até o próprio PSL. Conversei com o PSL”, revelou.
O Brasil, com 212 milhões de habitantes, concentra 272.889 mortes e 11.277.717 casos de infeção, sendo um dos três países mais afetados pelo novo coronavírus em todo o mundo.
A pandemia de covid-19 provocou, pelo menos, 2.621.295 mortos no mundo, resultantes de mais de 117,9 milhões de casos de infeção, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.
Juiz do Supremo Tribunal Federal diz que ministro brasileiro publicou notícias falsas
O juiz Gilmar Mendes, membro do Supremo Tribunal Federal (STF), usou as redes sociais para dizer que uma publicação do ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, divulgou notícias falsas sobre a pandemia no país.
A discórdia começou quando Araújo publicou um vídeo do canal CNN em inglês sobre o recrudescimento da pandemia de covid-19 no Brasil, no qual um especialista atribuía ao governo do Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, o descontrolo da crise sanitária e a falta de medidas para restringir a circulação de pessoas.
A CNN entende tudo de errado sobre o Brasil e a covid-19“, escreveu Araújo na rede social Twitter.
O ministro brasileiro acrescentou na rede social que, “depois de uma decisão do Supremo Tribunal Federal em abril de 2020, os governadores dos estados, não o Presidente, têm, na prática, toda a autoridade para estabelecer/gerir todas as medidas de distanciamento social“.
Em seguida, Araújo publicou uma série de dados sobre o dinheiro destinado pelo governo brasileiro para o combate à pandemia, que é pior no Brasil, onde ontem, quarta-feira, quando foi atingido o recorde de mortes diárias, de 2.286, ultrapassando os 270 mil mortos em pouco mais de um ano.
“Notícias falsas! Aqui está o facto real: o Supremo Tribunal Federal decidiu que as administrações federal, estadual e municipal têm autoridade para adotar medidas de distanciamento social. Todos os níveis de governo são responsáveis pelo desastre que estamos enfrentando”, respondeu, de seguida, Gilmar Mendes, sem esconder o seu desconforto.
Araújo, por sua vez, rebateu: “Leia novamente por favor. Eu falei ‘depois de uma decisão do STF’, que significa ’em consequência de’”, e “Eu disse ‘na prática’, indicando o real efeito da decisão prática, os governadores tomaram todas as medidas que queriam e o governo federal paga a conta”.
O que o ministro não mencionou é que Bolsonaro se opôs e criticou os governos regionais que adotaram medidas para restringir a circulação de pessoas e todas as atividades produtivas, às quais se opõe pelo efeito que têm na economia.
A própria CNN Brasil interveio sobre o assunto e afirmou que Araújo “usou argumentos infundados” para “refutar uma reportagem da CNN americana sobre as mortes por covid-19” no Brasil. “Na reportagem americana da CNN, o especialista Dennis Carroll culpou a política do governo do Presidente Jair Bolsonaro pela falta de controlo da doença, alegando falta de liderança”, disse o afiliado do canal no Brasil.
A rede esclareceu ainda que esse especialista “comparou as ações do Bolsonaro com Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos”, considerado um modelo pelo Presidente brasileiro e cuja gestão da pandemia também foi alvo de numerosas e duras críticas.
https://zap.aeiou.pt/bolsonaro-critica-confinamento-387111
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